Rafael Faria: “Debates acalourados da Lava Jato”

A chamada operação Lava-Jato surgiu com o status de maior investigação sobre corrupção deflagrada até hoje no Brasil e, desde então, tem sido objeto de acalourados debates, principalmente, no que tange ao modo de pensar e às decisões do Juiz Federal, Dr. Sérgio Moro.

Se, por um lado, o magistrado é aclamado como a esperança do povo brasileiro no combate à corrupção, por outro, o Dr. Sérgio Moro é duramente criticado por suas decisões que, muitas vezes, possuem uma fundamentação muito mais política do que jurídica. Verdade é que, independentemente do posicionamento no debate, as discussões são tão apaixonadas que, não raras as vezes, fogem à razão. Todavia, por outro lado, não se pode fechar os olhos para algumas anomalias processuais que vem ocorrendo com certa frequência nos processos relacionados à denominada operação Lava-Jato.

Neste sentido, uma primeira crítica que surge é a de que o juiz Moro estaria utilizando as prisões cautelares como forma de coagir os réus a firmar o acordo de delação premiada.

A delação premiada é uma técnica de investigação consistente na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso e, devido a sua natureza, deve ser utilizada com cautela, em caráter excepcionalíssimo.

No que tange às prisões cautelares, centenas desde que a operação foi deflagrada, há que se destacar que o artigo 319 do código de processo penal traz outras alternativas, que, por não cercearem a liberdade do acusado antes do julgamento, devem ser observadas antes de se pensar em cercear a liberdade do acusado, cabendo, a prisão, apenas em casos de extrema gravidade, o que, mais uma vez, não parece ser o ocorrido nos processos relacionados à operação Lava-Jato.

 Em um Estado democrático de direito, a prisão provisória como instrumento coercitivo visando a celebração do acordo de delação premiada é inaceitável.

Além disso, é impensável que a presunção de inocência, o direito à efetiva defesa, a garantia de imparcialidade da jurisdição e o principio do juiz natural sejam mitigados pelo vazamento seletivo de informações sigilosas e documentos, a sonegação de documento às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e violação às prerrogativas da advocacia por exemplo. 

Não seria exagero falar que nunca houve, na história do Direito brasileiro, um caso em que o devido processo de Direito foi tão relativizado em busca do que a população acredita ser justiça.

Neste diapasão, necessário é tecer um breve comentário sobre a influência midiática na formação da opinião popular e no juízo de valor formado pelos magistrados.

Verdade é que nos dias atuais estamos vivenciando um período sombrio,  de verdadeiro direito penal inquisitorial, em que, antes mesmo de toda instrução processual, já se sabe o resultado, servindo as etapas processuais apenas como meras formalidades necessárias para a condenação dos réus.

O uso irresponsável e inconsequente dos meios de comunicação prejudica a garantia constitucional da presunção de inocência, fazendo com que a coletividade tenha a certeza da culpa dos réus e pressionando o Judiciário para que não só haja uma condenação, mas uma condenação exemplar.

Não há, aqui, nenhuma oposição à participação popular na construção de uma sociedade mais democrática, o que não pode, de maneira nenhuma, é o Judiciário, como um dos poderes independentes, se curvar à opinião popular formada pela ideia de que a justiça no Brasil não funciona.

Pelo contrário, o desejo de todo profissional do direito é de uma justiça mais efetiva, democrática e igualitária. E não há como pensar em uma justiça justa sem respeito às garantias constitucionais do indivíduo e sem um devido processo de direito.

Artigo publicado originalmente no Correio do Estado.